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CANAL DA BETINHA
quarta-feira, 4 de agosto de 2021
Ansiedade
Quem já não
se deparou alguma vez na vida com um amigo ou conhecido que sofre de ansiedade?
Muitas vezes se trata de alguém de quem gostamos muito e somos todos ouvidos
quando ele começa a nos contar os seus problemas, atropelando as palavras e ignorando
o espaço entre uma respiração e outra na pressa de nos desabafar as suas
lamentações. Geralmente nos sentimos diante de um verdadeiro monólogo teatral
onde nos cabe tão somente a tarefa de ouvir e ouvir sem poder interagir com a
peça que nos está sendo apresentada. O ansioso não se dá conta da intensidade
da própria fala e não deixa brecha para ser interrompido. É o tipo de pessoa
que, quando nos faz uma pergunta, não nos dá tempo de respondê-la e solta mais
três ou quatro questões semelhante a uma rajada de metralhadora desgovernada sobre
assuntos totalmente diferentes. É inteligente e sensível ao desnudar os
sentimentos mais profundos do seu âmago, revelando-nos a alma transparente e
sincera que confia em nossa amizade e respeito. O ansioso não se abre com
qualquer um. Por isso mesmo, quando ele nos escolhe para ouvi-lo é porque nos
considera ouvintes especiais que o compreendem e estão dispostos a apoiá-lo nas
mais diversas circunstâncias. Ele sabe que o ouviremos do início ao fim,
prestando atenção em todos os detalhes narrados e sem nenhuma sombra de
interrupção. O ansioso não gosta de ser interrompido porque fica tão agitado
durante a sua explanação que teme perder o fio da meada de sua narrativa.
Portanto, quando ele começa a falar não tem hora para silenciar. E ele tem uma
destreza exímia para emendar um assunto no outro que chega a ser até
perturbador observar calado essa sua gigantesca habilidade de oratória.
Quando
presente, o ansioso exige que o nosso olhar não se distraia com o que está ao
nosso redor mas sim que acompanhemos cada gesto seu, cada alteração na voz e
nas sobrancelhas, cada franzir da sua testa e que os nossos olhos fiquem fixos
nos seus e de preferência, sem piscar. O ansioso, quando nos telefona, não
gosta que deixemos o celular no viva voz enquanto realizamos pequenas tarefas
domésticas porque acha que podemos, entre um cômodo e outro da casa, deixar de
ouvi-lo como ele realmente gostaria de ser ouvido e compreendido. Não raras
vezes, ele chega a gaguejar tamanha a ansiedade que sente ao nos contar certos
acontecimentos do seu dia-a-dia. Ele perde a noção do tempo e do espaço e pode
passar horas e horas conversando sobre um único tema que o aflige. É lógico que
a sua pressão arterial está sempre alterada porque as suas emoções se mantêm à
flor da pele, o que o impedem, na maioria das vezes, de ter um sono tranquilo e
uma vida saudável. O ansioso, quando se fecha em si mesmo, contrariando a
própria natureza comunicativa, desenvolve sérios distúrbios alimentares que o fazem
assaltar a geladeira nos horários mais inusitados, não por fome mas porque o
seu nervosismo o leva a buscar uma válvula de escape para a sua tempestade
interior. O ansioso tem necessidade de colocar para fora tudo o que sente sob
pena de explodir contra tudo e contra todos. O ansioso não tem paciência de nos
ouvir muito embora aprecie a paciência que temos ao escutá-lo. Quando abrimos a
boca para falar algo, ele faz o mesmo do outro lado da linha. Falamos ao mesmo
tempo sobre coisas bem diferentes. E é bem difícil que ele nos ceda a palavra.
Quando conseguimos, marcamos um gol.
A ansiedade é
a doença da alma que transborda em gritos silenciosos em busca da paz. Ela é o
resultado de um somatório de experiências negativas, frustrações, perdas, abusos,
violência física ou psicológica que acompanha o ser humano e o reveste de
insegurança, impedindo-o de ser quem realmente é. O ansioso geralmente é como
uma árvore podada ao extremo que não pôde mostrar ao mundo a beleza dos seus
frutos; é a criança que foi impedida de viver uma infância segura e feliz; é a
pessoa que não teve a oportunidade de sonhar nem de realizar os seus sonhos
mais corriqueiros; é o ser humano mais próximo da humanidade existente em nosso
mundo porque capta as vibrações coletivas, trabalha as sensações em sua mente,
identifica os sentimentos em seu coração e extravasa o resultado de tudo isso
na forma de viver a própria vida, quer seja falando muito, chorando muito ou
sofrendo calado. Portanto, se temos algum amigo querido que sofre de ansiedade,
sejamos o ombro que o ampara, o ouvido que o escuta e o coração que o medica de
amor porque, ao nos procurar, nos torna dignos da sua amizade e de algum
propósito oculto do Criador.
Elisabeth Souza Ferreira