domingo, 31 de janeiro de 2021

AVERSÃO E AMIZADE


           A pessoa que mais nos irrita é a que mais se nos assemelha, porque funciona como um espelho. Reflete tudo o que somos e o que, inconscientemente, queremos eliminar da nossa vida. Mas, o objeto da nossa aversão nunca nos é colocado, por acaso, a nossa frente. 

          Quando gostamos de alguém, sentimos que a outra pessoa nos completa - que tem tudo de bom para nos oferecer - encaixamo-nos perfeitamente a ela como se fôssemos peças de um mesmo quebra-cabeça. E, é aí que nos enganamos, achando que somos iguais. Mas, na verdade, somos bem diferentes, porque o que falta lá, excede aqui e o que excede nela, falta em nós. Por isso, temos a satisfação de ficarmos juntos. Estas pessoas nos fazem bem. Massegeiam o nosso ego o tempo todo, porém não nos tornam melhores do que somos.  No entanto, as pessoas que detestamos, pelo fato de terem muitos aspectos da personalidade semelhantes aos nossos, parecem nos fazer mal, causando-nos desconforto - até o simples olhar delas nos incomoda; a presença delas é um estorvo - parecem não ter nada para nos acrescentar à vida e não têm nada mesmo além do que já temos. Elas apenas refletem o que somos - são elas que se parecem conosco - o que tem do outro lado também tem aqui deste lado. E isso nos irrita. É o mesmo que nos observar no espelho pela manhã: os cabelos despenteados, os olhos inchados - isso nos incomoda. Contudo, é assim que somos.  Os nossos "inimigos" nos fazem ver como realmente somos e não como gostaríamos de ser. Passamos a odiá-los, entretanto, estamos sentindo repulsa pelos aspectos negativos que temos. Quando damos as costas para essas pessoas, estamos perdendo uma valiosa oportunidade de crescimento. Se os encontros são esporádicos é o mesmo que observarmos a nossa imagem refletida nas vitrines por onde passamos, muitas vezes sem prestarmos a devida atenção. Estamos apenas dando uma olhadela no que não gostamos.  O que temos em nosso coração nos está sendo mostrado como um trailer de filme.

          Se tivermos que conviver com alguém de quem não gostamos, não só precisaremos saber o que precisa ser corrigido em nós mas também deveremos aprender a nos corrigir. Somente essa pessoa poderá nos ensinar - ela nos mostrará como realmente somos. Não aprenderemos a lição se nos afastarmos dela.  Não será com agressões que a eliminaremos da nossa mente. Ela até poderá ir embora para muito longe, deixando assim de cumprir o seu papel de nos ensinar  a aprender conosco. Porque essa lição é mútua. Não somos apenas nós que devemos aprender, mas ela também, porque nós temos algo para ensinar-lhe. Quando temos conexões cármicas, o carma só se elimina ficando junto. Quanto maior for a antipatia, mais coisas temos a aprender com quem antipatizamos.

          Poderemos ter a certeza de que estamos aprendendo a nos corrigir, quando começamos a ver que o outro não é tão ruim quanto os nossos sentidos nos faziam perceber anteriormente, quando perdermos a vontade de falar mal dele, quando não desejamos mais vê-lo pelas costas. O importante é ver que esse alguém que detestamos é igual a nós, por mais que não identifiquemos de imediato as semelhanças e que, como nós, também tem direito de seguir em frente, aprendendo sempre mais com os prazeres e os dissabores que cada nova existência tem para nos apresentar.

                        Elisabeth Souza Ferreira

(Texto publicado na Revista Água da Fonte (Academia Passo-Fundense de Letras) em 

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