Lembro-me de uma ocasião em
que veio a Passo Fundo um notável orador para dar palestra na Catedral e eu,
acompanhada dos meus pais, não conseguimos entrar porque estava lotada de
pessoas sedentas para ouvi-lo. Ficamos na porta mesmo, junto com tantos outros
curiosos que se empurravam em busca de uma brecha para poder escutá-lo melhor.
Não consegui ver o jeito do homem que falava mas a sua voz era perfeitamente
audível graças ao microfone e às caixas de som. Ele contava sobre ter sido ateu
durante grande parte da sua vida até o momento em que se converteu à Religião
Católica. Chamava-se Neimar de Barros e era autor de vários livros de cunho
religioso que fizeram muito sucesso por uma década. Dentre estes, "Deus Negro"
era o principal e que fui obrigada a ler no Colégio valendo nota para Religião.
Na época, ele era muito requisitado para discursar de ponta a ponta do Brasil,
tendo ficado tão conhecido quanto o Paulo Coelho dos nossos dias. Viajava
sempre a serviço da Igreja e se hospedava na residência dos padres e bispos, de
onde pôde ver de perto e analisar o comportamento dos religiosos com os quais
passou a conviver. E dessa convivência por longos anos, passou a colecionar
decepções pois os "superiores" costumam dizer uma coisa e praticar
outra bem diferente. Começou, então, a questionar a atitude de algumas pessoas
daquele meio até que se tornou indesejável por se recusar a guardar certos
segredos. Percebendo a realidade do problema, resolveu se afastar, dando uma
entrevista à Revista Veja em 1986, que escandalizou a sociedade que o
idolatrava como um dos escritores mais
renomados. Em consequência disso, a Igreja ou outra entidade qualquer que
estava por trás dessa máquina, mandou recolher das Livrarias todos os seus
livros e dentro de pouco tempo, já não se ouvia mais falar em Neimar de Barros
como antes. Por causa desse episódio ocorrido durante a minha infância, a sua
obra praticamente desapareceu das prateleiras e ele deixou de existir como um
dos mais fortes formadores de opinião para a juventude cristã daquela época.
Desde, então, falar em Neimar de Barros se tornou um grande tabu. É
interessante como o mundo reage negativamente, às vezes, diante de um simples
comentário ou atitude por parte de um indivíduo que, como qualquer outro, tem o
direito de mudar de pensamento e de direção. E os seus livros? Os seus livros
foram julgados e condenados à inexistência, banidos do comércio simplesmente
porque o autor já não era mais conveniente no meio em que atuava. Cito esse
exemplo porque isso ocorre com muito mais frequência do que se imagina. Muitos
escritores passam por isso.
Meus dois primeiros livros
foram psicografados dentro de um Centro Espírita e enquanto lá permaneci fui
muito requisitada por pessoas que chegavam desesperadas em busca de resposta
para suas dúvidas e apoio para os seus mais diversos problemas. Elas saíam
aliviadas e eu, carregada de energias negativas. Foram anos difíceis para mim.
A psicografia não pode nem deve ser cronometrada no relógio pois nunca sabemos
quanto tempo uma entidade vai levar para transcrever ao papel a sua mensagem.
Há algumas que escrevem muito rápido. Outras demoram muito. E não podemos
atropelá-las pois o maior prejudicado é o médium. Aconteceu várias vezes
comigo. Eu estar psicografando e, de repente, tocarem a sineta para avisar que
o tempo havia acabado. E logo dariam início aos trabalhos de passes. Eu
entendia perfeitamente essa regra mas os espíritos nem sempre aceitavam ter que
se afastar sem ao menos colocar um ponto final no seu texto. E a parte que eles
mais gostavam eram as despedidas. Resultado: Eles davam um jeito de me achar em
casa para terminar o que haviam começado no Centro Espírita. E não me deixavam
em paz enquanto eu não me dispunha a colocar papel sobre a mesa e concluir a
mensagem. Tenho vários dons mediúnicos além da psicografia. E, na minha
opinião, o pior deles é o da incorporação. Eu levava uma semana para voltar ao
normal após cada incorporação. Os que escrevem geralmente estão em condições de
escrever. Mas, os que incorporam quase sempre são sofredores e o que eles mais
fazem é chorar. Cada incorporação desse tipo causa um tremendo esgotamento
físico e mental no médium. Eu vivia com os olhos inchados e o semblante
abatido. Meus pais sofriam junto comigo. Passaram, então, a tomar providências
para me libertar desse pesadelo em que eu vivia. Eu já não estava mais
suportando viver daquela forma. Comecei a ler outras obras e a frequentar
outras religiões. Fui me fortalecendo aos poucos e resolvi me afastar do Centro
Espírita. As incorporações cessaram e eu continuei a psicografar somente em
casa sem nenhum stress. Recebi inúmeras mensagens ao longo dos anos que se
sucederam e pude ajudar muitas pessoas. Acredito ter feito a minha parte.
Abandonei o Centro mas o meu dom não me abandonou. Descobri que tinha segurança
mediúnica para trabalhar sozinha sem a necessidade de estar cercada de pessoas
que não sabiam me dar o suporte de que precisava. Os meus livros? Eu tinha
aonde vendê-los. Não me preocupava com isso. Por mais de dez anos, tive uma
Livraria mística bem no centro da cidade. O que eu não sabia era que, pelo fato
de ter me afastado do Centro Espírita, os meus livros deixaram de ser
relevantes para a Doutrina Espírita. Sempre que eu tentava colocá-los à venda
em outras livrarias, logo vinha a observação sobre o meu afastamento da
Doutrina. Isso parecia ter mais importância do que o conteúdo dos livros
psicografados na época em que eu frequentava o Centro. Era como se eles
tivessem se tornado proibidos para a leitura.
Cada pessoa tem os seus
motivos para permanecer ou para se afastar desta ou daquela religião. Eu tive
os meus. E paguei um preço alto demais por dar um basta a tudo aquilo que me
fazia sofrer pois assim como os livros do Neimar de Barros, os meus também se
tornaram ocultos por força de uma mudança justa de direção.
Elisabeth Souza Ferreira
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