Todas as semanas
eu via a mesma mulher acompanhada do marido na primeira fila de cadeiras do
Centro Espírita. Ia rezar com muita devoção do começo ao fim. Sempre sorridente
e aparentemente tranquila com um leve tique nervoso nos olhos. Quando ganhou o
primeiro filho, levou a criança para nos apresentar e ser abençoada. Depois
deste, vieram mais uns quatro meninos que a acompanhavam durante as sessões. O
marido se ausentara nos últimos anos. Certa vez, contou-nos que ele estava
internado num Hospital Psiquiátrico para tratamento de uma esquizofrenia. E que
era impossível continuar com ele em casa. Não entrou em detalhes mas deu para
imaginar o drama em que vivia. O tempo foi passando e às vezes nos
encontrávamos pelas ruas. Ela foi ficando visivelmente mais envelhecida e
descuidada quanto à aparência com o decorrer dos anos.
Um dia, eu a vi
triste e sem o sorriso costumeiro nos lábios. Paramos para conversar uma com a
outra e logo ela desandou num choro convulsivo. Ela estava desesperada. Sozinha
e com uma escadinha de filhos para sustentar, fazia o que podia para ganhar a
vida. Era revendedora do Avon e vendia sempre que possível alguns produtos de
beleza em troca de uma pequena comissão. O companheiro passava uma temporada em
casa e outra internado. Ela mantinha o lar com sacrifícios. Não era fácil. Uma
tarde, deixou os três filhos menores por breves minutos enquanto ia cobrar uma
dívida nas redondezas e quando voltou, percebeu que havia duas mulheres e um
homem com seus filhos, aguardando o seu retorno. Era o pessoal do Conselho
Tutelar que havia recebido uma denúncia por parte de vizinhos de que ela estava
habituada a deixar as crianças trancadas em casa para sair e beber nos bares da
vida. E diante disso, eles se achavam no direito de retirar os menores da sua
guarda até que a situação se normalizasse. Pegaram os três meninos que estavam
assustados, chorando e se agarrando às roupas da mãe para não serem levados por
aquela gente desconhecida e simplesmente foram embora, ignorando os apelos
daquela mãe solitária e aflita que tentava em vão entender o motivo daquela
violência insana. O mais novo ainda era um bebê de colo que ela amamentava com
todo amor como fizera com todos os demais. Era pobre mas rica de sentimentos e
estava disposta a fazer qualquer coisa para ter os seus rebentos de volta. Eram
seus companheirinhos de jornada terrena, seus únicos motivos para lutar e
sobreviver. Chorou a noite inteira sem ter um ombro amigo onde reclinar a
cabeça. No dia seguinte foi até a sua mãe para contar-lhe o ocorrido e abraçar
bem forte os filhos mais velhos que lá se encontravam. Estes foram poupados
pois não estavam juntos com os outros quando da visita dos conselheiros. Se
estivessem, também teriam sido levados daquela forma fria e repentina.
Não sei se ela
tinha conhecimento da Lei ou se ignorava a mesma, agindo de boa fé sempre que
saía para entregar algum produto ou cobrar alguma encomenda. A verdade é que
seus filhos não estavam abandonados. Ela não os trancafiava, tanto é que eles
puderam abrir a porta para os conselheiros tutelares. Não estavam chorando nem
mal alimentados. Estavam brincando e assistindo TV. Todos limpinhos. Esperando
por ela que não se demorou. Infelizmente teve o azar de ser denunciada por
algum desafeto seu nas imediações e sofrer a retirada de suas crianças de seus
braços, de seu colo, do seu lar. Moradora de um bairro distante do centro da
cidade, não sabia para quem apelar. Gritava, chorava, se desesperava em busca
de seus pequenos de um lado para o outro. E assim passou mais de um ano
distante de seus filhos, sem saber aonde estavam nem na companhia de quem
estavam. O que lhe informavam era que as crianças estavam separadas umas das
outras, em casas de conselheiros tutelares e totalmente sem poder entrar em
contato com ela. Quando ela terminou de me contar o seu drama em plena rua, eu
fiquei chocada com o seu problema. Não sei se a versão dela era a verdadeira
mas acho que ela não merecia ter passado por tudo isso. Foi uma violência
inconcebível e traumática tanto para as crianças como para essa pobre mãe. Aos
poucos, sua vida foi voltando ao normal quando seus meninos foram devolvidos.
Desde então, muitos anos se passaram.
Este ano, tive a
grata satisfação de vê-la trabalhando num supermercado e tratando a todos com o
mesmo sorriso com que a conheci. As pessoas que passavam por ela nem de longe
poderiam imaginar que, por trás daquele semblante amável e gentil muitas
lágrimas rolaram, queimando seu coração de tanta dor... Eu bem posso imaginar
as cicatrizes profundas que aquela mãe, aquela pobre mulher guerreira carrega
nos recônditos da sua alma...
Elisabeth Souza Ferreira
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