segunda-feira, 19 de outubro de 2020

TRISTE DENÚNCIA



       Todas as semanas eu via a mesma mulher acompanhada do marido na primeira fila de cadeiras do Centro Espírita. Ia rezar com muita devoção do começo ao fim. Sempre sorridente e aparentemente tranquila com um leve tique nervoso nos olhos. Quando ganhou o primeiro filho, levou a criança para nos apresentar e ser abençoada. Depois deste, vieram mais uns quatro meninos que a acompanhavam durante as sessões. O marido se ausentara nos últimos anos. Certa vez, contou-nos que ele estava internado num Hospital Psiquiátrico para tratamento de uma esquizofrenia. E que era impossível continuar com ele em casa. Não entrou em detalhes mas deu para imaginar o drama em que vivia. O tempo foi passando e às vezes nos encontrávamos pelas ruas. Ela foi ficando visivelmente mais envelhecida e descuidada quanto à aparência com o decorrer dos anos.

       Um dia, eu a vi triste e sem o sorriso costumeiro nos lábios. Paramos para conversar uma com a outra e logo ela desandou num choro convulsivo. Ela estava desesperada. Sozinha e com uma escadinha de filhos para sustentar, fazia o que podia para ganhar a vida. Era revendedora do Avon e vendia sempre que possível alguns produtos de beleza em troca de uma pequena comissão. O companheiro passava uma temporada em casa e outra internado. Ela mantinha o lar com sacrifícios. Não era fácil. Uma tarde, deixou os três filhos menores por breves minutos enquanto ia cobrar uma dívida nas redondezas e quando voltou, percebeu que havia duas mulheres e um homem com seus filhos, aguardando o seu retorno. Era o pessoal do Conselho Tutelar que havia recebido uma denúncia por parte de vizinhos de que ela estava habituada a deixar as crianças trancadas em casa para sair e beber nos bares da vida. E diante disso, eles se achavam no direito de retirar os menores da sua guarda até que a situação se normalizasse. Pegaram os três meninos que estavam assustados, chorando e se agarrando às roupas da mãe para não serem levados por aquela gente desconhecida e simplesmente foram embora, ignorando os apelos daquela mãe solitária e aflita que tentava em vão entender o motivo daquela violência insana. O mais novo ainda era um bebê de colo que ela amamentava com todo amor como fizera com todos os demais. Era pobre mas rica de sentimentos e estava disposta a fazer qualquer coisa para ter os seus rebentos de volta. Eram seus companheirinhos de jornada terrena, seus únicos motivos para lutar e sobreviver. Chorou a noite inteira sem ter um ombro amigo onde reclinar a cabeça. No dia seguinte foi até a sua mãe para contar-lhe o ocorrido e abraçar bem forte os filhos mais velhos que lá se encontravam. Estes foram poupados pois não estavam juntos com os outros quando da visita dos conselheiros. Se estivessem, também teriam sido levados daquela forma fria e repentina.

       Não sei se ela tinha conhecimento da Lei ou se ignorava a mesma, agindo de boa fé sempre que saía para entregar algum produto ou cobrar alguma encomenda. A verdade é que seus filhos não estavam abandonados. Ela não os trancafiava, tanto é que eles puderam abrir a porta para os conselheiros tutelares. Não estavam chorando nem mal alimentados. Estavam brincando e assistindo TV. Todos limpinhos. Esperando por ela que não se demorou. Infelizmente teve o azar de ser denunciada por algum desafeto seu nas imediações e sofrer a retirada de suas crianças de seus braços, de seu colo, do seu lar. Moradora de um bairro distante do centro da cidade, não sabia para quem apelar. Gritava, chorava, se desesperava em busca de seus pequenos de um lado para o outro. E assim passou mais de um ano distante de seus filhos, sem saber aonde estavam nem na companhia de quem estavam. O que lhe informavam era que as crianças estavam separadas umas das outras, em casas de conselheiros tutelares e totalmente sem poder entrar em contato com ela. Quando ela terminou de me contar o seu drama em plena rua, eu fiquei chocada com o seu problema. Não sei se a versão dela era a verdadeira mas acho que ela não merecia ter passado por tudo isso. Foi uma violência inconcebível e traumática tanto para as crianças como para essa pobre mãe. Aos poucos, sua vida foi voltando ao normal quando seus meninos foram devolvidos. Desde então, muitos anos se passaram.

       Este ano, tive a grata satisfação de vê-la trabalhando num supermercado e tratando a todos com o mesmo sorriso com que a conheci. As pessoas que passavam por ela nem de longe poderiam imaginar que, por trás daquele semblante amável e gentil muitas lágrimas rolaram, queimando seu coração de tanta dor... Eu bem posso imaginar as cicatrizes profundas que aquela mãe, aquela pobre mulher guerreira carrega nos recônditos da sua alma...                                                          

                                               



                                                                 Elisabeth Souza Ferreira






 

                       

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