Não há quem já não
tenha se deparado alguma vez na vida com alguém que, à primeira vista, passe
uma imagem que muito se aproxima da perfeição, sempre pronto não só para ouvir
como para ajudar a carregar a cruz de cada um que o procura, mas que, no
decorrer do tempo de convivência, começa a apresentar sinais de uma
personalidade confusa e perturbadora. Essas mudanças no início são quase
imperceptíveis mas que vão se acentuando gradativamente à medida em que a
intimidade aumenta, derrubando as máscaras e revelando a verdadeira natureza de
quem está tentando se esconder. Não é por maldade que a pessoa age dessa forma.
Mas é por causa de uma profunda insegurança que a domina de não ser aceita e
compreendida no meio em que vive, sentindo-se impotente por não ter a
capacidade de segurar bem firme as rédeas da própria vida.
É uma pessoa que
não sabe quando o mal-estar baterá novamente a sua porta. Por enquanto, está
bem mas de uma hora para a outra, tudo poderá mudar. Ela nunca imagina se
acordará feliz ou azeda e quanto tempo assim permanecerá. E isso não depende de
ter sonhos lindos ou pesadelos aterrorizantes. Simplesmente acontece. Mudanças
terríveis de humor sem nenhuma explicação. Viver em altos e baixos sem nenhum
motivo aparente. Marca um encontro e desmarca no dia seguinte. Matricula-se num
curso e em menos de um mês, cancela as aulas. Tem vontade de fazer tudo numa
tarde e acaba não fazendo nada. Fica numa indecisão tremenda para decidir entre
a ambrosia e o arroz doce. Faz a vendedora colocar todas as roupas no balcão,
experimenta uma por uma mas parece que nenhuma se ajeita em seu corpo.
Entusiasma-se para ir ao cinema mas cai no sono durante o filme. Sai de casa
para visitar uma amiga mas desiste no meio do caminho. Passa uma semana inteira
com ódio de todo mundo e vontade de quebrar tudo. Na semana seguinte, fica
emotivo e vira uma manteiga derretida. Às vezes, tem choro convulsivo. Às
vezes, ataque de riso. Sem mais nem menos. Isso se chama bipolaridade.
É uma pessoa que,
talvez, não tenha sido sempre assim mas que a partir de um grande trauma
sofrido tenha desencadeado um mecanismo de defesa que a impede de manter o
mesmo comportamento peculiar de sempre. Sente-se insegura com um acentuado
complexo de inferioridade e faz o possível e o impossível para impressionar os
outros. Pelo menos, num primeiro momento. Depois, lentamente, quem está ao seu
redor vai percebendo que aquela primeira impressão era só verniz e o que há por
baixo não é tão atraente assim. Mais escuta do que fala; seus pensamentos pulam
de um extremo ao outro e logo o sorriso lindo é substituído por uma carranca
assustadora. Ele nem percebe a mudança em seu semblante mas é bastante visível
para os seus colegas ou familiares. Sua paciência fica por um fio e a menor
contrariedade, explode como uma bomba atômica, apavorando todo mundo. O que diz
no segundo da raiva logo é esquecido ou nem tem noção das palavras que coloca
para fora. No dia seguinte, não sabe o porquê das pessoas se afastarem do seu
convívio, inventando desculpas para não o acompanharem num almoço ou lanche da
tarde. De repente, parece que tudo está desmoronando. A solidão o abraça forte
e o leva a se enfiar dentro de casa sem vontade de falar com ninguém. O
telefone toca e ele ignora a chamada. Recebe mensagens mas nem tem curiosidade
de ver de quem se trata. Fecha-se em seu mundo particular achando que tudo
deveria acabar; que a humanidade não tem jeito; que nada adianta se alimentar
para viver mais alguns anos ou cuidar da saúde e perder a vida num acidente
estúpido de trânsito. Que o amor não vale a pena pois não é correspondido e a
traição o ronda diariamente como uma mosca perdida. Ataca a geladeira de
madrugada e se enche de cerveja, sorvete ou sobremesa. Afinal, por que não
faria isso? Pensa no final do mundo, na morte que é certa e da qual ninguém
escapa. Perde o interesse até mesmo pelo sexo. Transar para quê? Para ter um
prazer momentâneo? Não vale a pena. Nada mais vale a pena no seu universo
íntimo. Sente-se como uma terra devastada após um furacão, sem perspectiva de
melhorar e voltar a viver novamente. Ou come demais ou não come nada. Tem
temporadas de um total desprezo por si mesmo e se esquece de tomar banho ou
vestir uma roupa decente. Ele vive à parte dessa sociedade que o abandona e o
julga por ser esquisito e mal-humorado. Passa semanas sem falar com ninguém.
Não gosta de encarar quem quer que seja. Trabalha sem vontade. O cansaço é uma
constante em sua vida. Quando consegue se encostar numa cama ou sofá, dorme
para valer. Dorme tanto que acorda com dor de cabeça e com vontade de voltar a
dormir. Às vezes tem pensamento de acabar com tudo e deixar todo mundo na
merda. Não se importa com a família porque acha que a família também não se
importa com ele. Dinheiro nunca é suficiente. Gasta tudo o que ganha até a
última moeda. Economizar para quê? No mês seguinte, recebe o seu salário de
novo e nada muda. Seu dia é sempre sombrio, descolorido, velho e desbotado. Por
mais que haja um sol brilhando lá fora. Ele não vê a beleza, somente a
escuridão do que não faz sentido existir. Isso se chama depressão.
Às vezes,
convivemos com gente problemática e em vão buscamos respostas para o
comportamento estranho que demonstram ao se relacionarem conosco. Chegamos a
pensar que somos culpados, intransigentes por causa dessas pessoas tão queridas
e ao mesmo tempo, tão confusas. Mil coisas passam por nossas cabeças. Mas o
problema está bem próximo, bem na ponta do nosso nariz. E dificilmente
percebemos do que se trata. São pessoas amadas que precisam de ajuda. Elas
gritam em silêncio pela nossa atenção, pelo nosso socorro. Ninguém age dessa
forma pelo belo prazer de agir. Estão deprimidas e não conseguem sair do fundo
do poço. Se tivermos a sensibilidade de perceber que esse mal está instalado no
coração de alguém que nos é caro, vamos procurar por ela para que não se sinta
sozinha; vamos dar vazão aos elogios ao invés de fazer críticas; vamos ouvir o
que tem a dizer no lugar de dar-lhe as costas; vamos amenizar-lhe a dor e não
magoá-la cada vez mais; vamos encaminhá-la para uma ajuda profissional e não
abandoná-la a própria sorte. É possível tirar o deprimido da própria depressão
se o ajudarmos dessa maneira, fazendo a nossa parte, dando o primeiro empurrão
nesse sentido, colocando-o de pé para que um especialista termine o serviço de
recuperá-lo para a vida.
A depressão é o
mal do século. Se não for tratada pode levar ao suicídio, ao uso das drogas, às
más companhias, aos crimes e à violência. É um mal que se propaga
sorrateiramente devastando os lares, destruindo os laços familiares, gerando
desconfianças e mal-entendidos. Portanto, estejamos atentos ao lado oculto que
todos temos para que os desajustes da sociedade moderna não nos transformem em
pessoas doentes que agem por impulso e que encobrem a nossa verdadeira natureza
que é boa e que merece ser explorada e cuidada para que tenhamos uma vida plena
de felicidade e paz.
Elisabeth
Souza Ferreira
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