sábado, 30 de janeiro de 2021

O LADO OCULTO

 

                                         


     Não há quem já não tenha se deparado alguma vez na vida com alguém que, à primeira vista, passe uma imagem que muito se aproxima da perfeição, sempre pronto não só para ouvir como para ajudar a carregar a cruz de cada um que o procura, mas que, no decorrer do tempo de convivência, começa a apresentar sinais de uma personalidade confusa e perturbadora. Essas mudanças no início são quase imperceptíveis mas que vão se acentuando gradativamente à medida em que a intimidade aumenta, derrubando as máscaras e revelando a verdadeira natureza de quem está tentando se esconder. Não é por maldade que a pessoa age dessa forma. Mas é por causa de uma profunda insegurança que a domina de não ser aceita e compreendida no meio em que vive, sentindo-se impotente por não ter a capacidade de segurar bem firme as rédeas da própria vida.

     É uma pessoa que não sabe quando o mal-estar baterá novamente a sua porta. Por enquanto, está bem mas de uma hora para a outra, tudo poderá mudar. Ela nunca imagina se acordará feliz ou azeda e quanto tempo assim permanecerá. E isso não depende de ter sonhos lindos ou pesadelos aterrorizantes. Simplesmente acontece. Mudanças terríveis de humor sem nenhuma explicação. Viver em altos e baixos sem nenhum motivo aparente. Marca um encontro e desmarca no dia seguinte. Matricula-se num curso e em menos de um mês, cancela as aulas. Tem vontade de fazer tudo numa tarde e acaba não fazendo nada. Fica numa indecisão tremenda para decidir entre a ambrosia e o arroz doce. Faz a vendedora colocar todas as roupas no balcão, experimenta uma por uma mas parece que nenhuma se ajeita em seu corpo. Entusiasma-se para ir ao cinema mas cai no sono durante o filme. Sai de casa para visitar uma amiga mas desiste no meio do caminho. Passa uma semana inteira com ódio de todo mundo e vontade de quebrar tudo. Na semana seguinte, fica emotivo e vira uma manteiga derretida. Às vezes, tem choro convulsivo. Às vezes, ataque de riso. Sem mais nem menos. Isso se chama bipolaridade.

     É uma pessoa que, talvez, não tenha sido sempre assim mas que a partir de um grande trauma sofrido tenha desencadeado um mecanismo de defesa que a impede de manter o mesmo comportamento peculiar de sempre. Sente-se insegura com um acentuado complexo de inferioridade e faz o possível e o impossível para impressionar os outros. Pelo menos, num primeiro momento. Depois, lentamente, quem está ao seu redor vai percebendo que aquela primeira impressão era só verniz e o que há por baixo não é tão atraente assim. Mais escuta do que fala; seus pensamentos pulam de um extremo ao outro e logo o sorriso lindo é substituído por uma carranca assustadora. Ele nem percebe a mudança em seu semblante mas é bastante visível para os seus colegas ou familiares. Sua paciência fica por um fio e a menor contrariedade, explode como uma bomba atômica, apavorando todo mundo. O que diz no segundo da raiva logo é esquecido ou nem tem noção das palavras que coloca para fora. No dia seguinte, não sabe o porquê das pessoas se afastarem do seu convívio, inventando desculpas para não o acompanharem num almoço ou lanche da tarde. De repente, parece que tudo está desmoronando. A solidão o abraça forte e o leva a se enfiar dentro de casa sem vontade de falar com ninguém. O telefone toca e ele ignora a chamada. Recebe mensagens mas nem tem curiosidade de ver de quem se trata. Fecha-se em seu mundo particular achando que tudo deveria acabar; que a humanidade não tem jeito; que nada adianta se alimentar para viver mais alguns anos ou cuidar da saúde e perder a vida num acidente estúpido de trânsito. Que o amor não vale a pena pois não é correspondido e a traição o ronda diariamente como uma mosca perdida. Ataca a geladeira de madrugada e se enche de cerveja, sorvete ou sobremesa. Afinal, por que não faria isso? Pensa no final do mundo, na morte que é certa e da qual ninguém escapa. Perde o interesse até mesmo pelo sexo. Transar para quê? Para ter um prazer momentâneo? Não vale a pena. Nada mais vale a pena no seu universo íntimo. Sente-se como uma terra devastada após um furacão, sem perspectiva de melhorar e voltar a viver novamente. Ou come demais ou não come nada. Tem temporadas de um total desprezo por si mesmo e se esquece de tomar banho ou vestir uma roupa decente. Ele vive à parte dessa sociedade que o abandona e o julga por ser esquisito e mal-humorado. Passa semanas sem falar com ninguém. Não gosta de encarar quem quer que seja. Trabalha sem vontade. O cansaço é uma constante em sua vida. Quando consegue se encostar numa cama ou sofá, dorme para valer. Dorme tanto que acorda com dor de cabeça e com vontade de voltar a dormir. Às vezes tem pensamento de acabar com tudo e deixar todo mundo na merda. Não se importa com a família porque acha que a família também não se importa com ele. Dinheiro nunca é suficiente. Gasta tudo o que ganha até a última moeda. Economizar para quê? No mês seguinte, recebe o seu salário de novo e nada muda. Seu dia é sempre sombrio, descolorido, velho e desbotado. Por mais que haja um sol brilhando lá fora. Ele não vê a beleza, somente a escuridão do que não faz sentido existir. Isso se chama depressão.

     Às vezes, convivemos com gente problemática e em vão buscamos respostas para o comportamento estranho que demonstram ao se relacionarem conosco. Chegamos a pensar que somos culpados, intransigentes por causa dessas pessoas tão queridas e ao mesmo tempo, tão confusas. Mil coisas passam por nossas cabeças. Mas o problema está bem próximo, bem na ponta do nosso nariz. E dificilmente percebemos do que se trata. São pessoas amadas que precisam de ajuda. Elas gritam em silêncio pela nossa atenção, pelo nosso socorro. Ninguém age dessa forma pelo belo prazer de agir. Estão deprimidas e não conseguem sair do fundo do poço. Se tivermos a sensibilidade de perceber que esse mal está instalado no coração de alguém que nos é caro, vamos procurar por ela para que não se sinta sozinha; vamos dar vazão aos elogios ao invés de fazer críticas; vamos ouvir o que tem a dizer no lugar de dar-lhe as costas; vamos amenizar-lhe a dor e não magoá-la cada vez mais; vamos encaminhá-la para uma ajuda profissional e não abandoná-la a própria sorte. É possível tirar o deprimido da própria depressão se o ajudarmos dessa maneira, fazendo a nossa parte, dando o primeiro empurrão nesse sentido, colocando-o de pé para que um especialista termine o serviço de recuperá-lo para a vida.

     A depressão é o mal do século. Se não for tratada pode levar ao suicídio, ao uso das drogas, às más companhias, aos crimes e à violência. É um mal que se propaga sorrateiramente devastando os lares, destruindo os laços familiares, gerando desconfianças e mal-entendidos. Portanto, estejamos atentos ao lado oculto que todos temos para que os desajustes da sociedade moderna não nos transformem em pessoas doentes que agem por impulso e que encobrem a nossa verdadeira natureza que é boa e que merece ser explorada e cuidada para que tenhamos uma vida plena de felicidade e paz.

                                   Elisabeth Souza Ferreira

 

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