quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

domingo, 31 de janeiro de 2021

AVERSÃO E AMIZADE


           A pessoa que mais nos irrita é a que mais se nos assemelha, porque funciona como um espelho. Reflete tudo o que somos e o que, inconscientemente, queremos eliminar da nossa vida. Mas, o objeto da nossa aversão nunca nos é colocado, por acaso, a nossa frente. 

          Quando gostamos de alguém, sentimos que a outra pessoa nos completa - que tem tudo de bom para nos oferecer - encaixamo-nos perfeitamente a ela como se fôssemos peças de um mesmo quebra-cabeça. E, é aí que nos enganamos, achando que somos iguais. Mas, na verdade, somos bem diferentes, porque o que falta lá, excede aqui e o que excede nela, falta em nós. Por isso, temos a satisfação de ficarmos juntos. Estas pessoas nos fazem bem. Massegeiam o nosso ego o tempo todo, porém não nos tornam melhores do que somos.  No entanto, as pessoas que detestamos, pelo fato de terem muitos aspectos da personalidade semelhantes aos nossos, parecem nos fazer mal, causando-nos desconforto - até o simples olhar delas nos incomoda; a presença delas é um estorvo - parecem não ter nada para nos acrescentar à vida e não têm nada mesmo além do que já temos. Elas apenas refletem o que somos - são elas que se parecem conosco - o que tem do outro lado também tem aqui deste lado. E isso nos irrita. É o mesmo que nos observar no espelho pela manhã: os cabelos despenteados, os olhos inchados - isso nos incomoda. Contudo, é assim que somos.  Os nossos "inimigos" nos fazem ver como realmente somos e não como gostaríamos de ser. Passamos a odiá-los, entretanto, estamos sentindo repulsa pelos aspectos negativos que temos. Quando damos as costas para essas pessoas, estamos perdendo uma valiosa oportunidade de crescimento. Se os encontros são esporádicos é o mesmo que observarmos a nossa imagem refletida nas vitrines por onde passamos, muitas vezes sem prestarmos a devida atenção. Estamos apenas dando uma olhadela no que não gostamos.  O que temos em nosso coração nos está sendo mostrado como um trailer de filme.

          Se tivermos que conviver com alguém de quem não gostamos, não só precisaremos saber o que precisa ser corrigido em nós mas também deveremos aprender a nos corrigir. Somente essa pessoa poderá nos ensinar - ela nos mostrará como realmente somos. Não aprenderemos a lição se nos afastarmos dela.  Não será com agressões que a eliminaremos da nossa mente. Ela até poderá ir embora para muito longe, deixando assim de cumprir o seu papel de nos ensinar  a aprender conosco. Porque essa lição é mútua. Não somos apenas nós que devemos aprender, mas ela também, porque nós temos algo para ensinar-lhe. Quando temos conexões cármicas, o carma só se elimina ficando junto. Quanto maior for a antipatia, mais coisas temos a aprender com quem antipatizamos.

          Poderemos ter a certeza de que estamos aprendendo a nos corrigir, quando começamos a ver que o outro não é tão ruim quanto os nossos sentidos nos faziam perceber anteriormente, quando perdermos a vontade de falar mal dele, quando não desejamos mais vê-lo pelas costas. O importante é ver que esse alguém que detestamos é igual a nós, por mais que não identifiquemos de imediato as semelhanças e que, como nós, também tem direito de seguir em frente, aprendendo sempre mais com os prazeres e os dissabores que cada nova existência tem para nos apresentar.

                        Elisabeth Souza Ferreira

(Texto publicado na Revista Água da Fonte (Academia Passo-Fundense de Letras) em 

ORAÇÃO DO GAITEIRO

 

Patrão do Céu, abençoa este gaiteiro que Te chama

Através do dedilhar desta velha gaita que geme e suspira

Inspirado no minuano que sopra com a força de quem mais ama

Transformando em prece a melodia doce que cria.

 

 

Patrão do Céu, abençoa este gaiteiro jovem que se esforça para aprender

No balanço agitado que insinua um falso conhecer

Das notas benditas que toca com a emoção que faz bater o pé

De um lado para o outro, se entesa e se inclina

Enquanto que a todos, aos poucos, encanta e fascina!

 

 

Patrão do Céu, abençoa este velho gaiteiro que já cansado pelas lides campeiras

Mal consegue segurar o próprio acordeão.

Com os dedos calejados e as costas curvadas para a frente

Nas tuas mãos entrega, com a consciência tranquila,

Embrulhado num fino lenço,

O próprio coração!

 

 

Patrão do Céu, abençoa toda a nossa gente, a nossa querência amada

Estes peões e prendas espalhados por esta terra abençoada

Para que a tradição gaúcha nunca deixe de existir, nem agora nem num distante porvir

E que a gaita seja sempre a nossa oração

O canto de louvor a Ti, Patrão do Céu,


Nosso modelo eterno de paz e gratidão!

         ELISABETH SOUZA FERREIRA

                                                

                                           

SIMPLESMENTE MARCELO



      Sempre gostei de programas policiais que retratam a realidade dos fatos no nosso país, mostrando o que acontece nos bastidores das grandes e pequenas cidades  e que nem sempre a gente fica sabendo por falta de acesso a esse tipo de informação. Muita gente julga que isso não passa de um sensacionalismo barato que visa por meios estratégicos fazer o papel de maus formadores de opinião. Por diversas vezes ouvi comentários negativos a minha postura não só por me revelar uma telespectadora assídua bem como uma grande defensora de tais programas. Certas pessoas que se consideram muito letradas podem conhecer o mundo inteiro através da leitura de centenas de trabalhos acadêmicos mas passariam vergonha se questionados quanto  aos fatos que ocorrem na esquina mais próxima da sua própria casa. Na minha maneira de pensar, eu não tenho necessidade de saber tudo o que ocorre do outro lado do continente mas tenho a obrigação de conhecer tudo o que está acontecendo ao meu redor sob pena de me tornar uma criatura alienada e inútil.

      Acho que esses programas não se concentram apenas nas distantes manchetes do que está havendo em nosso país  mas aproximam e aprofundam a realidade tortuosa que até pouco tempo desconhecíamos.

       Num determinado momento, mudando de canal, encontrei um desses programas na Record onde o Marcelo Rezende era o apresentador. Fiquei assistindo atentamente até o final e, desde então, migrei da emissora que eu assistia anteriormente para essa nova que me cativou por sua simplicidade e objetividade. Tornei-me sua fã e nunca mais o perdi de vista. Não só para mim mas para todos os seus fãs, ele não era um apresentador distante e frio mas era como se fosse um vizinho querido que vinha nos visitar diariamente no mesmo horário e com a mesma simpatia e cordialidade de sempre para nos contar as novidades. Fazia graça na hora da brincadeira para nos descontrair e nos arrancar sorrisos. E sabia também falar sério nas horas mais difíceis e dramáticas do nosso cotidiano, acordando-nos para a vida real. Tratava a sua equipe jornalística como se fosse parte da sua família. E nos incluía nesse processo.  E assim foram passando os anos. Eu e seus outros fãs acompanhávamos o seu trabalho e nos sentíamos íntimos. Eu tive a honra e a felicidade de chegar bem próximo dele quando do lançamento de sua obra “Corta para mim” numa das tantas capitais por onde ele passou. Pude observar seus poucos cabelos e bem branquinhos, sua alta estatura e seu corpo avantajado de terno apesar do calor. O seu avião havia se atrasado e muita gente o aguardava ansiosa por um autógrafo e uma foto. Muitos seguranças o protegeram da multidão que se empurrava para vê-lo. Senhoras bem idosas e crianças com necessidades especiais tiveram a preferência no atendimento. Todos queriam abraçá-lo. Todos queriam tocá-lo ou, pelo menos, chegar o mais perto possível. Pude ver o seu jeito simples de atender o seu público. Sempre com um sorriso nos lábios, um olhar puro e um abraço carinhoso. Parecia que conhecia todo mundo que lá estava. Gente de todas as idades. Sua gente. Amigos que ele fez através da tela da televisão. Fãs que o amavam e o respeitavam como o maior contador de histórias da vida real. Meu ídolo. Nosso ídolo.

       Com imensa tristeza, há uns três meses e meio recebemos a triste notícia de sua enfermidade. E uma doença avassaladora. Incurável. Pegou a todos desprevenidos. Foi um grande choque. Mas Deus é sábio e deu ao seu público a oportunidade de se preparar para o que viria a seguir.  Ele não esmoreceu. Mesmo sofrendo dores e desconfortos, seguiu firme em seu propósito de vencer essa doença com sua imensa fé, apesar de ter dito que não tinha medo da morte e iria enfrentá-la com coragem caso a sua hora chegasse. Ele também teve tempo de se preparar com orações, leituras da Bíblia e tratamento de saúde. Largou a quimioterapia num determinado dia e foi muito criticado por isso. Mas só quem passa por uma doença dessas é que pode avaliar a sua atitude. No fundo, ele sabia que não sobreviveria. Sabia que seu tempo nesse mundo estava acabando e quis chegar na reta final lúcido e fazendo tudo o que queria. E sua alma iluminada se elevou. Partiu e nos deixou a todos órfãos. Mas deixou uma sementinha dentro do coração de cada um dos seus fãs e familiares, amigos e colegas para que não o esqueçamos. Nosso amor e respeito por ele é maior que tudo. Seguiremos a nossa jornada por aqui, lembrando-nos sempre da sua simplicidade e bondade para com todos, de todas as suas qualidades que o tornaram o maior e mais querido jornalista de todos os tempos.

       Vá em paz, amigo querido! Leva o amor de todos os brasileiros em teu coração. O Brasil não vai te esquecer. Esta é a nossa promessa.

 

                                                       Elisabeth Souza Ferreira

MUDANÇA DE PLANOS

         

          Quem se preparou para a chegada do novo ano com mil sonhos na cabeça, projetos e contas devidamente estudadas e colocadas na ponta do lápis, sequer imaginava que este seria um ano atípico, fora dos tradicionais padrões de todo e qualquer planejamento individual ou familiar. Ouviu-se as primeiras notícias a respeito de um vírus que estava matando algumas pessoas na China mas não parecia algo tão relevante assim a ponto de causar maiores preocupações ao resto do mundo, uma vez que volta e meia aparecem doenças aqui e acolá facilmente contornadas com o uso de medicamentos específicos para cada caso. O que não se esperava é que o contágio fosse tão rápido de pessoa para pessoa e que o número de mortos triplicasse em tão pouco tempo, ganhando terreno em outros países como a Coréia e o Irã. E, de repente, se estendesse à Itália de maneira absurda, quase impossível de controlar. E, assim foi se disseminando pelos continentes atingindo países como a Espanha, a França, a Alemanha, os Estados Unidos, Brasil, Moçambique e por aí afora... Generalizou-se de tal modo e rapidamente que a ficha parece ter caído para a maioria das pessoas nos últimos dias e para os mais atentos, nas últimas semanas, causando pânico e correria desenfreada aos supermercados e farmácias para se abastecerem de mantimentos não perecíveis, sob o temor de que o pior aconteça. E, de fato, já está acontecendo... Em torno de 12 mil seres humanos já pereceram, em questão de dois ou três meses desse mal que se alastra vertiginosamente sobre a Terra. A China, ao que tudo indica, parece já ter começado a apresentar um certo tipo de controle sobre o vírus, tomando medidas drásticas que estão sendo copiadas pelas outras nações. O covid-19 está sendo analisado às pressas pelos profissionais da saúde em busca da cura ou, de pelo menos uma vacina para proteger as pessoas mais idosas e debilitadas que fazem parte do grande grupo de risco. Até agora, os mais atingidos apresentavam, além da idade avançada, problemas relacionados a diabetes, pressão alta e doenças coronarianas. Os sintomas são de gripe com febre, coriza e dificuldade respiratória. Muito fácil de se confundir com um resfriado comum no início mas, quando feito o diagnóstico correto, os pulmões já podem estar em estado lastimável para tratamento. Esses quadros mais graves são levados imediatamente para hospitais onde são entubados, a fim de tentar reverter a situação por demais desesperadora.
          O pânico se instalou no planeta Terra. Muita gente morrendo. Fronteiras sendo fechadas em toda parte. Cidades ilhadas. Pessoas reclusas em suas casas, sem perspectiva de tão cedo, poder voltar à vida normal. E, assim recolhidas entre quatro paredes, passam a ver os seus sonhos se desfazendo à medida em que tentam entender a velocidade com que tudo está ruindo a sua volta. E, percebem que estão fazendo parte de uma guerra mundial onde nenhum país do mundo está livre de participar contra esse maldito vírus, o inimigo invisível de todas as nações.
          E, assim vão percebendo que tudo está mudando... Entes queridos em lugares onde é o foco dessa doença insana, sem poderem voltar para casa e correndo todo tipo de risco ao ficarem distantes de suas famílias. Universidades fechadas para aqueles que lutaram tanto em busca de uma bolsa de estudos a fim de se aperfeiçoarem no Exterior. Voos cancelados, aeroportos fechados, lojas impedidas de abrir, empresários desconcertados, funcionários temerosos de perder o seu ganha-pão, médicos tendo que escolher entre os pacientes aquele que deve ter maiores chances de sobrevivência porque não existem aparelhos suficientes para todos... Esta é a realidade que se está vivendo no momento. E não é algo que se conserte de um dia para o outro. Serão muitos meses de tensão até que tudo se resolva. A questão agora é a luta pela sobrevivência. Tudo o mais deixou de ser importante em meio a este caos social e econômico pelo qual passa a humanidade.
          Diante dessa pandemia, as pessoas já estão começando a perceber que, querendo ou não, terão que fazer uma mudança nos seus planos de vida para este e para os próximos anos. Muitos jogos serão transferidos, olimpíadas adiadas, eleições canceladas, enfim, a população mundial terá que se ajustar a grandes atrasos nas suas pretensas realizações futuras. O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação e com as múltiplas e dolorosas experiências que tem vivenciado nos últimos tempos saberá, mais uma vez, superar-se a si mesmo com toda a dignidade que lhe for possível e, em se superando a si mesmo, conseguirá superar com a solidariedade e compaixão entre os povos essa inglória crise humanitária.
                                                             Elisabeth Souza Ferreira
                                                                      21/03/2020

sábado, 30 de janeiro de 2021

O LADO OCULTO

 

                                         


     Não há quem já não tenha se deparado alguma vez na vida com alguém que, à primeira vista, passe uma imagem que muito se aproxima da perfeição, sempre pronto não só para ouvir como para ajudar a carregar a cruz de cada um que o procura, mas que, no decorrer do tempo de convivência, começa a apresentar sinais de uma personalidade confusa e perturbadora. Essas mudanças no início são quase imperceptíveis mas que vão se acentuando gradativamente à medida em que a intimidade aumenta, derrubando as máscaras e revelando a verdadeira natureza de quem está tentando se esconder. Não é por maldade que a pessoa age dessa forma. Mas é por causa de uma profunda insegurança que a domina de não ser aceita e compreendida no meio em que vive, sentindo-se impotente por não ter a capacidade de segurar bem firme as rédeas da própria vida.

     É uma pessoa que não sabe quando o mal-estar baterá novamente a sua porta. Por enquanto, está bem mas de uma hora para a outra, tudo poderá mudar. Ela nunca imagina se acordará feliz ou azeda e quanto tempo assim permanecerá. E isso não depende de ter sonhos lindos ou pesadelos aterrorizantes. Simplesmente acontece. Mudanças terríveis de humor sem nenhuma explicação. Viver em altos e baixos sem nenhum motivo aparente. Marca um encontro e desmarca no dia seguinte. Matricula-se num curso e em menos de um mês, cancela as aulas. Tem vontade de fazer tudo numa tarde e acaba não fazendo nada. Fica numa indecisão tremenda para decidir entre a ambrosia e o arroz doce. Faz a vendedora colocar todas as roupas no balcão, experimenta uma por uma mas parece que nenhuma se ajeita em seu corpo. Entusiasma-se para ir ao cinema mas cai no sono durante o filme. Sai de casa para visitar uma amiga mas desiste no meio do caminho. Passa uma semana inteira com ódio de todo mundo e vontade de quebrar tudo. Na semana seguinte, fica emotivo e vira uma manteiga derretida. Às vezes, tem choro convulsivo. Às vezes, ataque de riso. Sem mais nem menos. Isso se chama bipolaridade.

     É uma pessoa que, talvez, não tenha sido sempre assim mas que a partir de um grande trauma sofrido tenha desencadeado um mecanismo de defesa que a impede de manter o mesmo comportamento peculiar de sempre. Sente-se insegura com um acentuado complexo de inferioridade e faz o possível e o impossível para impressionar os outros. Pelo menos, num primeiro momento. Depois, lentamente, quem está ao seu redor vai percebendo que aquela primeira impressão era só verniz e o que há por baixo não é tão atraente assim. Mais escuta do que fala; seus pensamentos pulam de um extremo ao outro e logo o sorriso lindo é substituído por uma carranca assustadora. Ele nem percebe a mudança em seu semblante mas é bastante visível para os seus colegas ou familiares. Sua paciência fica por um fio e a menor contrariedade, explode como uma bomba atômica, apavorando todo mundo. O que diz no segundo da raiva logo é esquecido ou nem tem noção das palavras que coloca para fora. No dia seguinte, não sabe o porquê das pessoas se afastarem do seu convívio, inventando desculpas para não o acompanharem num almoço ou lanche da tarde. De repente, parece que tudo está desmoronando. A solidão o abraça forte e o leva a se enfiar dentro de casa sem vontade de falar com ninguém. O telefone toca e ele ignora a chamada. Recebe mensagens mas nem tem curiosidade de ver de quem se trata. Fecha-se em seu mundo particular achando que tudo deveria acabar; que a humanidade não tem jeito; que nada adianta se alimentar para viver mais alguns anos ou cuidar da saúde e perder a vida num acidente estúpido de trânsito. Que o amor não vale a pena pois não é correspondido e a traição o ronda diariamente como uma mosca perdida. Ataca a geladeira de madrugada e se enche de cerveja, sorvete ou sobremesa. Afinal, por que não faria isso? Pensa no final do mundo, na morte que é certa e da qual ninguém escapa. Perde o interesse até mesmo pelo sexo. Transar para quê? Para ter um prazer momentâneo? Não vale a pena. Nada mais vale a pena no seu universo íntimo. Sente-se como uma terra devastada após um furacão, sem perspectiva de melhorar e voltar a viver novamente. Ou come demais ou não come nada. Tem temporadas de um total desprezo por si mesmo e se esquece de tomar banho ou vestir uma roupa decente. Ele vive à parte dessa sociedade que o abandona e o julga por ser esquisito e mal-humorado. Passa semanas sem falar com ninguém. Não gosta de encarar quem quer que seja. Trabalha sem vontade. O cansaço é uma constante em sua vida. Quando consegue se encostar numa cama ou sofá, dorme para valer. Dorme tanto que acorda com dor de cabeça e com vontade de voltar a dormir. Às vezes tem pensamento de acabar com tudo e deixar todo mundo na merda. Não se importa com a família porque acha que a família também não se importa com ele. Dinheiro nunca é suficiente. Gasta tudo o que ganha até a última moeda. Economizar para quê? No mês seguinte, recebe o seu salário de novo e nada muda. Seu dia é sempre sombrio, descolorido, velho e desbotado. Por mais que haja um sol brilhando lá fora. Ele não vê a beleza, somente a escuridão do que não faz sentido existir. Isso se chama depressão.

     Às vezes, convivemos com gente problemática e em vão buscamos respostas para o comportamento estranho que demonstram ao se relacionarem conosco. Chegamos a pensar que somos culpados, intransigentes por causa dessas pessoas tão queridas e ao mesmo tempo, tão confusas. Mil coisas passam por nossas cabeças. Mas o problema está bem próximo, bem na ponta do nosso nariz. E dificilmente percebemos do que se trata. São pessoas amadas que precisam de ajuda. Elas gritam em silêncio pela nossa atenção, pelo nosso socorro. Ninguém age dessa forma pelo belo prazer de agir. Estão deprimidas e não conseguem sair do fundo do poço. Se tivermos a sensibilidade de perceber que esse mal está instalado no coração de alguém que nos é caro, vamos procurar por ela para que não se sinta sozinha; vamos dar vazão aos elogios ao invés de fazer críticas; vamos ouvir o que tem a dizer no lugar de dar-lhe as costas; vamos amenizar-lhe a dor e não magoá-la cada vez mais; vamos encaminhá-la para uma ajuda profissional e não abandoná-la a própria sorte. É possível tirar o deprimido da própria depressão se o ajudarmos dessa maneira, fazendo a nossa parte, dando o primeiro empurrão nesse sentido, colocando-o de pé para que um especialista termine o serviço de recuperá-lo para a vida.

     A depressão é o mal do século. Se não for tratada pode levar ao suicídio, ao uso das drogas, às más companhias, aos crimes e à violência. É um mal que se propaga sorrateiramente devastando os lares, destruindo os laços familiares, gerando desconfianças e mal-entendidos. Portanto, estejamos atentos ao lado oculto que todos temos para que os desajustes da sociedade moderna não nos transformem em pessoas doentes que agem por impulso e que encobrem a nossa verdadeira natureza que é boa e que merece ser explorada e cuidada para que tenhamos uma vida plena de felicidade e paz.

                                   Elisabeth Souza Ferreira

 

SENTINDO-SE DIFERENTE

 

                                    


          Não é fácil sentir atração, amor, paixão ou sabe-se lá o que mais por uma pessoa do mesmo sexo.  No início é quase impossível declarar abertamente o sentimento que vem surgindo, crescendo e brilhando à medida em que o ser que ama se encontra com o ser amado sem antes conhecer bem o terreno em que está pisando, sob pena de passar por ridículo, alvo de chacota pública, agressões, ódio ou compaixão por parte de terceiros que não entendem a complexidade das relações humanas. As pessoas de fora ainda encaram os relacionamentos que fogem aos padrões convencionais como uma doença ou opção. Pensam que as pessoas que agem dessa forma estão simplesmente forçando a natureza para serem o que não são. O que não é verdade. As pessoas são como são e não do jeito que os outros gostariam que elas fossem.  Sendo assim, nada poderá ser feito para mudar tal situação. Não existe religião, medicamento, tratamento de choque, internação, diálogo ou o diabo a quatro que possa reverter essa condição. Existem muitos pretensos seres que prometem milagres nessas circunstâncias mas essa possibilidade está descartada. A única coisa que pode fazer  com que um homossexual deixe de sofrer é a própria aceitação como tal.  A pessoa humana precisa se conhecer – o auto-conhecimento é o primeiro passo. A aceitação é o segundo. E o terceiro é se amar a si mesmo.

          O medo e a confusão de sentimentos são normais. São obstáculos que estão a frente de todos os que se sentem diferentes. São pedras que precisam ser removidas. A insegurança causada pelos transtornos mentais (sou, não sou) é uma verdadeira guerra interior que todos têm que travar consigo mesmos. Pouco a pouco, ela poderá ser substituída por uma segurança inabalável, pela paz e tranquilidade de quem ascendeu ao pico mais alto da compreensão íntima depois de vencer a dor inerente a todos que ainda não se descobriram. Pode levar muito tempo para a pessoa se conscientizar da sua orientação sexual. É preciso silenciar e ouvir o que o seu coração tem a dizer – por quem ele bate mais forte – para que lado se sente mais inclinado – o que mais gosta de fazer. As respostas para todos os questionamentos íntimos estão a sua frente, saltando aos seus olhos. Só não verá se não quiser. Demore o tempo que tiver que demorar, todo homossexual sabe desde a mais tenra infância que é diferente dos modelos que lhe são apresentados pelo mundo no dia-a-dia. A solução para esse problema está guardada nas dobrinhas da sua consciência. Portanto, já que essa não é uma tarefa fácil, deixar cair a ficha e se assumir para si mesmo é o primeiro passo. Não há necessidade de sair gritando às ruas para todos ouvirem. É importante que cada um se preserve , se resguarde. Não é preciso fazer de cara com que os outros saibam da sua vida particular que é tão sagrada quanto a de qualquer outro indivíduo. É bom ir com calma, procurando se conhecer cada vez mais. Assumir em público a sua homossexualidade é a última etapa. Deixe para fazer isso quando estiver seguro e feliz, amando e sendo amado.  De preferência, una-se a alguém que seja igual a você. Deve ter muita cautela porque há muitos heterossexuais  que se aproximam dos homossexuais para matar a curiosidade, para ter novas sensações na vida, como uma fonte diferente de prazer.

          É raro ver alguém que ama de verdade, que se entrega com paixão, que está presente na sua totalidade, que tem sentimentos verdadeiros e não sabe fingir num relacionamento. E é quando brota o amor que essa natureza mais nobre e evoluída explode e se revela na  forma de um grande talento. O homossexual possui uma alma cheia de arte. Dizem que não tem nada a ver mas, o segredo do sucesso está na sensibilidade fora do comum. Essa sensibilidade já nasce com ele e o orienta a calar, a esconder, a cobrir e proteger a sua inclinação desde pequenino.

          E é um longo caminho – há muito sofrimento antes de encontrar a paz tão desejada. O principal é aprender a ser você mesmo. Aceite-se!

                                     Elisabeth Souza Ferreira